quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Franklin Távora e a Literatura do Norte (Resenha), de Paulo Marçaioli

 

Por: Paulo Marçaioli
Blog: esperandopaulo

FRANKLIN TÁVORA E A LITERATURA DO NORTE

João Franklin da Silveira Távora foi jornalista, deputado provincial, historiador ligado ao IHGB e romancista. Ficou conhecido na história da literatura brasileira como fundador da chamada Literatura do Norte, escola assim designada por Sílvio Romero, precursora do regionalismo literário nordestino, cuja maior expressão se daria dentro da geração modernista do início do século XX, com escritores como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e Jorge Amado.

 

Nosso escritor nasceu em 13 de Janeiro de 1842 no sítio Serrinha da Glória, antiga Candeia, região encravada na Serra de Baturité, no centro-norte do Ceará. Era filho de Camilo Henrique da Silveira Távora,  alcunhado de “o indígena”, um liberal simpático aos movimentos revolucionários de 1817 e 1824.

 

 A Revolução Pernambucana de 1817 foi um movimento de caráter liberal e republicano, cujas origens remetem à divulgação das ideias revolucionárias da revolução francesa e a oposição ao absolutismo monárquico Português: o descontentamento dos liberais pernambucanos foi agravado pelos enormes gastos pecuniários decorrentes da chegada da Família Real Portuguesa no Rio de Janeiro, com aumento de impostos para manter o luxo da corte e para travar guerras na Cisplatina, sem prejuízo da nomeação de portugueses para os cargos públicos em detrimento da nobreza da terra.

 

Já em 1824 eclodiu a Confederação do Equador, movimento de caráter mais nitidamente separatista, liderado pelo padre Frei Caneca e que contou com apoio financeiro dos EUA, que já naquele tempo se interessava pela fragmentação territorial do Brasil, a balcanização de um grande país como meio de melhor subjugá-lo.

 

O radicalismo político pernambucano, tanto 1817 quanto 1824, encontra sua origem mais remota em 1710/1711 na Guerra dos Mascates, que seria tratada com minúcia pelo escritor nos livros “O Matuto” e “Lourenço”.

 

Politicamente, Franklin Távora seguiu os passos do pai: sempre foi um progressista, defendendo a abolição da escravidão, a república e a reforma das instituições de ensino.

 

Entre os anos de 1859 e 1863, o autor de “O Matuto” estudou na Faculdade de Direito do Recife, quando fundou e participou de centros, sociedades e associações de estudantes voltadas a atividades literárias e políticas. Neste período, também se aproximou do jornalismo, com o nobre objetivo de ajudar financeiramente a família, que passava por dificuldades.   Começou como tipógrafo e foi evoluindo para revisor de provas, repórter, editor, chefe de redação e, mais tarde, fundador de jornais.

 

Sua aproximação com a política deu-se neste período de participação na imprensa, tendo atuado no “Jornal do Recife”, fundado em 1859 por José de Vasconcellos e, alguns anos depois, no Jornal “A Situação” liderado pelo Conselheiro Francisco de Paulo Silveira Lobo, filiado ao Partido Progressista.

 

Já ligado a este último partido, foi eleito deputado provincial de Pernambuco para mandato entre 1867/1868, quando tinha apenas 25 anos de idade. Já no primeiro ano de mandato, é nomeado para o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública, cargo que hoje equivale ao secretário estadual de educação.

 

Ao assumir o encargo, declarou que pretendia reformar as instalações da Diretoria-Geral, dos diversos colégios a ela vinculados, reorganizar administrativamente as atribuições dos professores e lutar pela liberdade de ensino em Pernambuco. Neste trabalho, encontro ferrenha oposição do Partido Conservador.

 

Dada a sua orientação política liberal e progressista, Távora se empenhou na campanha de libertação dos escravos na imprensa, sendo responsável por traduzir a famosa carta endereçada ao mundo por Vitor Hugo contra a escravidão, na qual o autor de Os Miseráveis alertava: “Ter Escravo é merecer ser escravo”.

 

O que é curioso é que o seu posicionamento político progressista, ao contrário do que se poderia supor, não fez com que o escritor deixasse de ser simpatizante do lado de Olinda e dos senhores de engenho, contra os mascates de Recife, em seus dois livros sobre a Guerra dos Mascates.

 

Na verdade, mais do que um conflito entre comerciantes burgueses e latifundiários, o escritor via naquela guerra as sementes do movimento de libertação do Brasil em relação à Portugal: a oposição retratada na obra de dava entre a opressão da metrópole e a reação nacionalista liderada pelos nobres de Olinda.  Ainda que numa leitura mais economicista ou marxista daquele conflito, o lado burguês e citadino de Recife aparecesse como “progressista” em relação ao lado aristocrático dos senhores de engenho de Olinda. O conflito, nesta perspectiva, se deu entre o comércio de natureza capitalista e a agricultura de natureza escravista ou, como querem alguns, “feudal”.

 


A GUERRA DOS MASCATES

 

“Só uma vista curta não verá na guerra dos mascates, antes uma luta travada por dois grandes princípios, do que uma revolta filha de preconceitos ridículos e costumes atrasados. Certo concorreram não pouco para essa luta o costume e o capricho antigo, inflexíveis ambos; mas o seu papel nessa grande representação foi mais secundário do que principal. A parte essencial e verdadeiramente dramática da ação, essa pertencia a dois grandes interesses, assim das sociedades modernas, como das antigas – ao comércio e a agricultura, princípios que, quando acordes em seu desenvolvimento, trazem a propriedade e riqueza dos povos, e, quando divergentes, o seu atraso senão o seu aniquilamento”. (O Matuto).

 

A Guerra dos Mascates (1710/1711) de fato ficou conhecida na história como a oposição entre as duas cidades, o que de fato foi a exteriorização geográfica do conflito. As suas origens, como não poderia deixar de ser, se deram no plano econômico.

 

Anos após a expulsão dos holandeses de Pernambuco, a economia da região entrou numa crise decorrente da baixa do açúcar no mercado internacional e da concorrência do açúcar produzido nas Antilhas.

 

A concorrência afetou os ricos senhores de engenho de Olinda, que entraram em decadência por não mais obterem os mesmos lucros com a produção açucareira. Por esta razão, os proprietários dos engenhos foram obrigados a contrair empréstimos com os comerciantes portugueses, chamados de mascates, que ocupavam Recife e possuíam dinheiro para emprestar aos senhores de Olinda, porém cobravam juros altíssimos pelos empréstimos, ocasionando o endividamento cada vez maior dos olindenses. Até então, Recife era apenas um porto e um “bairro” de Olinda. Porém, com o desenvolvimento econômico, seus moradores passaram a postular a sua independência em relação a Olinda, o que foi um dos elementos detonadores do conflito.

 

Embora dependentes economicamente dos comerciantes portugueses, os senhores de engenho pernambucanos não aceitaram a emancipação político-administrativa do Recife, até então uma comarca subordinada a Olinda. A emancipação do Recife foi percebida como uma agravante da situação dos latifundiários locais (devedores) diante da burguesia lusitana (credora), que por esse mecanismo passava a se colocar em patamar de igualdade política.

 

No romance Lourenço, a indignação da nobreza da terra é bem capturada na seguinte passagem:

 

“- Que víamos antes da luta? Dois interesses, um estrangeiro, outro brasileiro. Levados a cobiça, e não satisfeitos com serem senhores do comércio e das indústrias, os portugueses europeus queriam chamar a si a agricultura, impondo aos agricultores obrigações que redundavam em ficarem estes à mercê daqueles. Como não pudessem, por meios lícitos, levar a efeito o seu intento, maquinaram criar a vila onde tinham e onde têm a sua força, e tornar-se, por este modo, árbitros dos preços dos gêneros que haviam de ser forçosamente tachados por almotacés do seu plano; e este diabólico intento estaria de todo realizado, se a nobreza não pusesse para fora o governador que tivera o arrojo de promover a criação da vila maldita”.

 

Nos dois romances que tratam da Guerra dos Mascates, o escritor realça a violência do conflito, que opôs bandoleiros mascates liderados por Camarão e Tundacumbe e outros tipos populares, e uma nobreza altiva que se recusou a capitular e chegou mesmo a desenvolver uma “guerra de guerrilhas”, até a obtenção do perdão de El-Rei três anos após o início da guerra.

 

Como dito, no romance, o escritor claramente se posiciona favorável aos nobres de Olinda, vistos como precursores do nativismo e do movimento da independência, de acordo com o nacionalismo da escola literária romântica.

 

Vejamos como eram retratados os mascates:

 

“Afiguravam-se estes aos seus olhos vultos patibulares, visões pavorosas como demônios em que ele acreditava.

 

Tinham calças arregaçadas e enlameadas, as jaquetas pegadas ao corpo, chapéus ainda umedecidos e demudados, nas faces estampado o sono, o cansaço, a fome e a maldade, nas mãos armas sinistras e ameaçadoras.

 

Grande parte desta força passante, de duzentos homens, era composta de caboclos; no restante havia de tudo – negros, curibocas, semibrancos e até brancos”.

 

Mais do que uma história épica da Guerra dos Mascates, temos neste romance uma descrição da fisionomia física e moral do “matuto” que é o sertanejo agricultor, o lavrador, o almocreve, bem como da sua estrutura familiar, dos costumes, do folclore, das festas populares, do papel da religião, dos enlaces conjugais. Mais do que um romance histórico, temos a partir da leitura deste romance regionalista uma fonte preciosa do sertanista brasileiro:

 

“No tocante ao traje, ver um dos matutos era o mesmo que ver os demais. Camisa por cima de ceroulas de algodão – eis em que ele consistia. 

 

Todos tinham os pés nu, e quase todos por cima do cós das ceroulas o longo cinto de fio, cofre portátil onde traziam o dinheiro, terminando em cordões com bolotas nas pontas, os quais serviam para dar muitas voltas em torno da cintura antes do laço final. Metida entre o cinto e o cós guardava cada um sua faca de ponta presa pela orelha da bainha. Da arma só aparecia o cabo, figurando a cabeça de uma serpente que tinha o restante do corpo oculto.”.

 

OS ÚLTIMOS MOMENTOS DA VIDA

 

Já no final da vida, com a morte da mãe e uma doença nos pulmões, Franklin Távora abandona a literatura e os trabalhos institucionais, passando, inclusive, por dificuldades financeiras.

 

O escritor morreu no dia 18 de agosto de 1888, com poucas pessoas comparecendo ao enterro. Sílvio Romero, um dos poucos escritores presentes no velório, resumiu com estas palavras o drama vivido pelo seu amigo: “Cumpre destacar em síntese o valor deste escritor, sempre muito maltratado pelos literatos de seu tempo.”.

 


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BIBLIOGRAFIA
“O Matuto” – Franklin Távora – Editor Iba Mendes

“Lourenço” – Franklin Távora – Editor Iba Mendes 

“Franklin Távora” – Cláudio Aguiar – Série Essencial – Academia Brasileira de Letras – Imprensa Oficial.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

O amor ofendido, e vingado (Conto histórico)

 

O AMOR OFENDIDO, E VINGADO

A Violação da Fé conjugal tem sempre arrastado em seu séquito as mais grandes desgraças. Não se pode lançar os olhos sobre a historia, sem que se ache disto mil exemplos funestos. Os Galos Bélgicos nos oferecem um, capaz de fazer impressão sobre os corações, que não forem inteiramente privados do sentimento da virtude.

No ano de 1539 vivia em uma terra considerável entre Gand, e Curtrai, a Condessa de Leerven, viúva, e possuidora de bens imensos. Ela não tinha mais do que uma filha chamada Adriana, a qual a uma grande beleza ajuntava muito de engraçada. A natureza a tinha dotado de muito boas qualidades, que uma má educação tinha corrompido. Seu caráter, ainda que dócil no seu fundo, era firme; ordinariamente transportado; e algumas vezes extremo. Acostumada a não ser contradita, nada a podia desviar dos projetos, que uma vez tinha concebido: a Condessa sua Mãe, que a idolatrava, a deixava absolutamente Senhora de suas vontades.

Um tão grande partido foi logo procurado por muitas pessoas. Entre o grande número de seus adoradores, o Barão de Vierkove teve a felicidade de agradar a Adriana. Ele era de uma figura encantadora, e feita para o amor; sua alma sensível, e terna, não pôde resistir aos atrativos de Adriana; e como ele devia bem pouco temer seus rivais, não tardou em ser feliz. O partido era conveniente; por ser ele também o herdeiro de sua casa. A Condessa aplaudiu a escolha de sua filha, e estes felizes amantes forram unidos com magnificência, e grande contentamento de suas respectivas famílias.

Nunca união alguma deu sinais de ser mais constante. Havia pouco mais ou menos um ano que eles viviam nesta feliz, e rara inteligência, quando perderam a Condessa de Leerven.

Depois de lhe terem feito os últimos deveres, eles foram a Gand, para distraírem a sua dor. Naquele tempo o Imperador Carlos V vem a Flandres para apaziguar as perturbações, que ali se tinham levantado por ocasião das novas taxas, que ele tinha imposto; e ficou algum tempo nesta Cidade, onde fez severamente castigar os amotinadores.

O Barão, que tinha a honra de ser particularmente conhecido deste Príncipe, foi fazer-lhe sua Corte: ele foi de todos os prazeres deste Soberano, e mesmo algumas vezes fazia partida com ele. Não havia algum concerto, que o Imperador não fizesse executar por Músicos Italianos, que trazia consigo. Safira, celebre Cantarina, tinha tanto de espírito como de talento: ainda moça, divertida, e espirituosa, bem depressa se apercebeu da impressão, que sua voz, e seus encantos tinham feito sobre o terno Nierkove; ele esquece-se de suas protestações à terna Adriana; ele se abandona à sua nova paixão, e só vivia para Safira. Ele corre a sua casa, lança-se a seus pés, pinta-lhe seu ardor em termos os mais persuasivos, enche-a de seus donativos: em fim, ouro, diamantes, festas, tudo foi prodigalizado. Duvida-se bem qual dos dois foi o mais feliz. Quando se reúnem os talentos, a figura, a fortuna, e o nascimento, pode-se por ventura achar mulheres cruéis, principalmente no estado de Safira?

O Barão só se ocupava de sua felicidade (se dela se pode gostar, quando imprudentemente se faz desgraçada uma Esposa digna da mais viva ternura): tal é a desordem do coração humano, quando ele se entrega a seus desejos, e quando a razão o abandona.

A triste Adriana não pôde conceber em seu Esposo uma mudança tão repentina: ela estava muito bem persuadida de sua infidelidade: as liberalidades do Barão já se tinham notado, e a sua familiaridade com Safira era pública a toda a Corte. A desafortunada Baronesa deixou ao tempo o cuidado de fazer tornar a si este infiel: ela se persuadia que aquilo mesmo que lhe tinha roubado seu Esposo, poderia da mesma sorte restituir-lho. Além disto ela sabia que o único meio de reganhar um inconstante, era mostrar-se ignorante de sua perfídia, servindo-se somente de paciência, e de doçura. As repreensões irritam; o silêncio nos condena, e nos faz entrar em nós mesmos.

Ela tomou pois este partido; e escreveu ao Barão dizendo-lhe, que se ele tinha negócios na Corte, ela partia à sua Pátria a tratar de seus interesses; e que lá esperava noticias suas. Sem lembrança de resposta, ela partiu logo, penetrada de dor, e desesperação. Ela adorava o Barão: sua inconstância a penetrou sensivelmente. O retiro em que ela vivia, longe de extinguir seu amor, lhe deu pelo contrario novas forças. Somente corações sensíveis, que tem experimentado a mesma sorte que Adriana, podem julgar da grandeza de seus males.

O Barão, sempre encantado de sua querida Safira, parecia ter-se inteiramente esquecido de Adriana: ele sobre isto nada falava a seus amigos; e ninguém da mesma sorte se atrevia a falar-lhe: ele mesmo nunca mais lhe escreveu. Sempre ocupado de sua amante, não a deixava um só momento. Ele a retirou da comitiva do Imperador, que tinha partido para Espanha. Ele lhe procurou uma casa toda abundante; e prazeres sempre novos preveniam continuadamente os desejos da galante Safira, ambos no meio das delicias julgavam perpétua a sua felicidade!

As pessoas de honra começaram a murmurar: ainda não era costume, e principalmente em Flandres, ver-se o escândalo sem desassossego. Quanto estes tempos se tem mudado! Presentemente se faz consistir nisto mesmo a fidelidade; ninguém se envergonha de tratar como respeitáveis estas uniões criminosas quando elas são duráveis: o crime aplaudido goza hoje das vantagens da virtude. A vida publica de Nierkove, e de Safira indispunha o povo; e disto mesmo eles foram informados. O Barão para evitar tudo isto, resoluto a ir estabelecer-se em Veneza, desfez-se de seus contratos, e de suas terras, para fazer transportáveis todos os seus bens. Adriana, que não ignorava o menor passo de seu marido, não pôde resistir a este último golpe. Transportada, de furor...

Ingrato, exclama ela, é este o fruto do amor que em mim tens experimentado. A perda de teus bens não é o que me aflige: liberaliza-os à tua indigna, e vil Safira, porém restitui-me o teu coração. Torna a mim querido, e cruel Esposo; meu amor te perdoa... Mas, que digo? O infiel vai partir... Pode ser que ele se aparte de mim para sempre!... Não, perjuro!... tu não me escaparás, eu saberei punir-te minha vingança fará tremer, servindo de exemplo àqueles, que como tu, desprezam a ternura de uma Esposa desafortunada... Eu tenho procurado todos os meios de te recuperar; o tempo, meu silêncio, minhas lágrimas, minha desesperação, não tem podido abrandar-te... A morte só é... Que digo eu? Ai de mim!... Sim, sim, cruel, a morte só vai unir-vos.

Adriana escreveu logo a uma de suas amigas, e lhe pediu em um escrito separado que só abrisse sua carta, passados oito dias; porque ela continha cousas de última importância, que se deviam ignorar até este tempo. Ela fez logo pôr grades em todas as janelas de seu aposento, e pregar nas portas fechaduras ocultas, cujo segredo só ela conhecia. No mesmo tempo dispôs tudo de sorte que pudesse prosperar o terrível projeto, que tinha meditado. Quanto é para temer uma mulher justamente irritada! A desesperação ocupa toda a sua alma; a vingança a mais terrível lhe parece suave; as maiores extremidades meios ordinários; e sua própria fraqueza parece dar-lhe todas as forças.

Tudo assim disposto, ela finge uma doença mortal: de uma mão trêmula ela escreve a seu Esposo: Eu morro, e vos perco. Eu não vos imputo a minha morte, e rogo ao Céu que vos inspire o arrependimento. Vós recebereis todos os meus bens da mão de um amigo comum, que deles será o depositário. Eu não choro a vida; porque nem tenho filhos, nem Esposo, ai de mim! que me pertençam. Poucas horas tenho já de vida; ao menos concedei-me a graça de vos tornar a ver a última vez. Vivei feliz, eu morro, e vos adoro.

O desgraçado Barão caiu no laço, que era difícil evitar-se. Ele se persuadiu que não devia honradamente deixar de ver sua mulher morrendo: este passo lhe pareceu inocente, e a lembrança do deposito lhe facilitava o meditado projeto de fugir com Safira. O interesse teve muito mais poder sobre seu coração do que o amor. Safira, que não podia suspeitar a desgraça de seu amante, o persuadiu a que desse esta última consolação à Baronesa espirando. Ele parte, e em poucos momentos ele chega à sua terra. A tristeza, que ele vê espalhada entre toda a família, moveu sua piedade. Um negro pressentimento se apodera de seu coração, e sem poder dar conta de seu transporte, ele entra tremendo na Câmara de sua Esposa. As gentes, que à vinda inesperada de Nierkove, tinham ordem de se retirar, os deixam sós. A furiosa Adriana fecha logo todas as portas. De repente, com os olhos errantes, ela se levanta, e vai a seu gabinete pôr fogo, (sem que seu marido disto se aperceba) a algumas matérias combustíveis, que ela tinha preparado; e logo torna, e se lança repentinamente sobre seu leito. O Barão aterrado quer chamar socorro, persuadindo-se que era isto efeito de transporte: porém qual foi seu espanto quando ele viu de repente toda a casa em fogo. Treme, perjuro, exclama Adriana, e reconhece uma Esposa ultrajada: já que tu não tens podido viver comigo, ingrato, ao menos poderás morrer. A violência da chama, que vai a consumir-te, não igualará jamais os fogos, que me tem abrasado por ti... A estas palavras o fumo lhe tira a respiração: o Barão sobressaltado debalde procura salvar-se. Bem depressa a chama sai pelas janelas: correm a socorrê-los; arrombam-se as portas; porém já é tarde: estes Esposos se acham prostrados, e já meios consumidos.

Os progressos deste incêndio foram tão rápidos, que em pouco tempo todo o edifício foi reduzido a cinzas. A notícia chegou logo a Gand: assentou-se que este fogo tinha sido efeito da casualidade; porém a carta que Adriana tinha escrito à Viscondessa Copens, sua amiga, revelou este horrível mistério. Ela queria sem duvida deixar à posteridade um tremendo exemplo da vingança de uma mulher desesperada, e uma imagem terrível do castigo de um Esposo perjuro, e querido.

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Traduzido do francês em 1918.
Revisão ortográfica: Iba Mendes (2023)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Os dois pequenos e a bruxa (Conto popular português), de Consiglieri Pedroso

 

Os dois pequenos e a bruxa

Era uma vez uma mulher que tinha um filho e uma filha. Um dia a mãe mandou o filho buscar cinco réis de tremoços e depois disse para os dois:

— Meus dois filhinhos, até onde acharem as casquinhas de tremoços, vão andando pelo caminho afora, e em chegando ao mato lá me hão de encontrar apanhando lenha.

Os pequenos assim fizeram.

Depois da mãe sair, foram andando pelas castanhas de tremoços que ela ia deitando para o chão, mas não a encontraram.

Como já era noite, viram ao longe uma luz acesa. Foram caminhando para lá e viram uma velha a frigir bolos.

A velha era cega de um olho, e o pequeno foi pela banda do olho cego e furtou- lhe um bolo, porque estava com muita fome.

Ela, julgando que era o gato, disse:

— Sape, gato! Bula que não bula, que te importa a ti?

O pequeno disse para a irmã:

— Agora vai lá tu!

A pequena respondeu:

— Não vou lá que eu pego-me a rir!

O pequeno disse que ela havia de ir, e a irmã não teve mais remédio, e foi. Foi pelo lado do olho cego e tirou outro bolo.

A velha, que julgava outra vez que era o gato, disse:

— Sape, gato! Bula que não bula, que te importa a ti?

A pequena largou-se a rir.

A velha voltou-se, viu os dois pequenos e disse para eles:

— Ai, sois vós, meus netinhos! Comei, comei para engordar.

Depois agarrou neles e meteu-os num caixão cheio de castanhas.

No outro dia chegou ao caixão e disse para eles:

— Deitai os vossos dedinhos, meus netinhos, que é para ver se estais gordinhos.

Os pequenos deitaram o rabo de um gato, que acharam dentro do caixão.

A velha disse então:

— Saí, meus netinhos, que já estão gordinhos.

Tirou-os para fora do caixão e disse-lhes para irem à linha com lenha.

Os pequenos foram para o mato por uma banda, e a velha foi por outra. Quando chegaram a um certo lugar, encontraram uma fada.

A fada disse-lhes:

— Andais à lenha, meninos, para aquecer o forno, mas a velha quer assar-vos nele!

Depois contou que a velha havia de dizer para eles: “Sentai-vos, meus netinhos, nesta pazinha, para vos ver balhar dentro do forno! E que eles lhe haviam de dizer que se sentasse ela primeiro, para eles verem como era.”

A fada foi-se embora.

Daí a pouco encontraram-se os pequenos com a velha do mato.

Apanharam a lenha toda que tinham cortado e foram para casa acender o forno.

Depois de acenderem o forno, a velha varreu-o muito bem varrido e depois disse para eles:

— Sentai-vos, meus netinhos, nesta pazinha, para vos ver balhar dentro do forno!

Os pequenos responderam como a fada os tinha ensinado:

— Sentai-vos aqui primeiro, avozinha, nesta pazinha, para nós vos vermos balhar dentro do forno!

A velha, como queria assá-los, sentou-se na pá, e eles mal a viram sentada, empurraram a pá para dentro do forno.

A bruxa deu um grande estouro e morreu queimada, e os pequenos ficaram senhores da casa e de tudo quanto ela tinha.

A morte que fez um homem rico (Conto), de Consiglieri Pedroso


A morte que fez um homem rico

Um homem tinha muitos filhos, e já todos os homens da freguesia eram seus compadres.

A mulher alcançou outra vez e pronta estava para parir. O homem, que não queria pedir a mais ninguém, abalou de casa.

Encontrou no caminho um homem muito desfigurado, que lhe perguntou aonde ele ia.

Ele contou-lhe, e o homem disse-lhe que voltasse para trás, que ele era o seu padrinho.

Assim foi.

Quando acabou o batizado, o homem disse:

— Compadre, repare bem para mim, para me conhecer onde quer que me encontrar. Eu sou a Morte. Tu muda de casa e faz-te médico, que hás de ganhar muito dinheiro. Em tu me vendo aos pés da cama de qualquer doente, é porque ele escapa. Em tu me vendo à cabeceira, é porque ele morre.

O homem assim fez; começou a ter muita fama e ganhava muito dinheiro e já estava muito rico mais os filhos.

Num dia a Morte chegou-se ao pé dele e disse-lhe:

— Bem, agora já te fiz rico, mas hoje chegou a tua vez e venho matar-te.

O homem pediu muito que o deixasse viver mais um ano.

A Morte consentiu.

O homem então mandou fazer uma torre de bronze, com as paredes muito grossas, para a Morte lá não entrar.

Quando o ano estava quase a acabar, ele mandou fazer um anel de ouro, meteu-o no dedo e fechou-se na torre.

Estava lá a jantar, e apareceu-lhe a Morte ao pé dele.

Ele, muito assustado, perguntou-lhe:

— Ó comadre Morte, tu por onde é que entraste?

A Morte disse que pelo buraco da fechadura.

Ele então disse-lhe:

— Já que tu te meteste pelo buraco da fechadura, hás de meter-se pelo buraco desta cabaça.

A Morte meteu-se e ele tapou a cabaça com uma rolha e disse à Morte:

— Agora sai daí para fora se és capaz.

A Morte disse-lhe:

— Ó compadre, pois eu fiz-te tanto benefício, e tu agora queres-me aqui deixar dentro desta cabaça? Tira-me a rolha, que eu não te faço mal.

O homem tomou a perguntar-lhe se ela não lhe fazia mal.

A Morte disse que não.

Ele destapou a cabaça e, ao tempo que destapou, caiu, mas não morto, e a Morte roubou-lhe o anel.

Ele disse:

— Ó comadre, então tu prometeste-me que não me matavas, e agora queres-me matar. Deixa-me ao menos rezar um Padre-Nosso e uma Ave-Maria pela minha alma.

A Morte consentiu.

Ele que fez?

Começou a rezar o Padre-Nosso até ao meio e depois tornava a começar.

De modo que a Morte não o podia matar.

O homem então saiu da torre e começou outra vez na sua vida.

Um dia andava ele à caça e a Morte fingiu-se de morta no meio do monte.

O homem chegou e, julgando que era um homem morto, disse:

— Ah! Pobre homem, quem te matou? Deixa-me ao menos rezar um Padre-Nosso e uma Ave Maria pela tua alma.

Rezou, mas ao tempo que acabou, a Morte levantou-se e matou-o.

domingo, 12 de abril de 2020

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Espírito revolucionário na obra de Eça (Crítica Literária)



Espírito revolucionário na obra de Eça

A crítica social no romance de Eça de Queirós ainda está por fazer. E no entanto que admirável estudo tentar todos os escritores que possuem uma orientação inteiramente moderna e que empregam na análise literária os processos de anotação filosófica e de definitiva conclusão científica!

Geralmente o público letrado não vê no Primo Basílio ou no Crime do Padre Amaro, na Relíquia ou nos Maias senão a evolução literária do romance, as altas e poderosas qualidades de um sugestivo artista que tem sabido compulsar como ninguém entre nós o documento humano, um raro experimentador e um observador original. Mas na obra de Eça de Queirós há mais do que pura literatura e preciosidade de estilo, há teses que o romancista desenvolve com um espírito de independência crítica e uma intuição de analista sociólogo, que raras vezes encontramos cá fora em geniais escritores da Europa contemporânea. Com a visão clara de um pensador que é ao mesmo tempo um dos primeiros artistas da língua portuguesa neste século, — senão o primeiro, — Eça de Queirós tem ferido na sua obra todos os preconceitos da sociedade burguesa, desde o absurdo e antinatural celibato dos padres católicos, no Crime do Padre Amaro e da crendice grotesca, na Relíquia, até à imoralidade do adultério "chique", no Primo Basílio, ao convencionalismo da agonizante e dessorada sociedade portuguesa, nos Maias. Sem ir até ao fim do seu pensamento como Emílio Zola, em alguns dos seis romances, o Germinal por exemplo, o grande romancista português deixa  entretanto transparecer na sua obra, bastante complexa, a aspiração vasta de integral liberdade que lhe anima o espírito de pensador inteiramente do seu tempo. E como hoje todos sabem, não são a jogralidade caduca de um anticlericalismo de melodrama nem a fraseologia vaga e vazia do jacobinismo que reclama a cabeça do rei com feijão branco, as armas de combate que podem e devem manejar todos aqueles que lutam pela renovação das almas, num futuro de liberdade e de justiça social. E, pelo contrário, a análise científica que a obra de arte reanima e aquece pelo influxo espiritual do requinte da forma, o grande instrumento demolidor por excelência.

De uma cerebração superior, Eça de Queirós como não podia deixar de ser, compreendeu também essa alta missão do escritor que tem o respeito de si mesmo e que pretende ter um lugar à parte na vanguarda dos que preparam uma sociedade igualitária e livre. Por isso nós aplaudimos o seu consciente e duplo esforço de artista e de pensador, saudando, nesse nome tão querido e tão glorioso, mais um irmão de armas na obra três vezes santa da demolição de todos os preconceitos de casta e um precursor da humanidade feliz e libertária de amanhã!

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XAVIER DE CARVALHO
Revista "Ilustração Brasileira", 20 de novembro de 1897.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Epaminondas (Conto), de Artur Azevedo



Epaminondas
Conquanto exercesse a profissão de advogado, e como tal fosse muitas vezes coagido a mentir, o Dr. Lacerda abominava mentirosos, e tudo perdoava ao filho, ao Epaminondas, menos falir à verdade; por isso lhe dera o nome do famoso general tebano, que nem brincando mentia.
Releva dizer que, em solteiro, no tempo em que andou de casa e pucarinha com a Esmeralda, que deixou fama nas rodas alegres da vida carioca, o Dr. Lacerda foi mais enganado por essa mulher que Cláudio por Messalina; desse amargo período da sua existência lhe ficou talvez, aquele sentimento de repulsão aliás muito louvável, por tudo quanto não fosse a expressão exata e cristalina da verdade.
Depois que a Esmeralda partiu para a Europa, e serenou a vida do seu amante, gravemente perturbada por aqueles amores infelizes e ridículos, o Dr. Lacerda, desejoso de constituir família encontrou D. Sidônia, uma excelente moça e formosa, de quem se enamorou, e que aceitou satisfeita a sua mão de esposo, porque o amava. Casaram-se.
Eram felizes, mas na sua felicidade havia uma nuvenzinha: a Esmeralda. Com o seu estimável, mas inconvenientíssimo sistema de não encobrir a verdade, fosse qual fosse, o Dr. Lacerda contara lealmente, ainda noivo, todo o seu tempestuoso passado àquela que deveria ser sua esposa.
Imprudência foi, porque D. Sidônia ficou ciumenta desse passado. A Esmeralda ainda vivia; apenas mudara de terra; poderia de um momento para outro aparecer inopinadamente, e perturbar a ventura do amoroso casal. Talvez não estivesse de todo extinta a chama antiga; bastaria, talvez, a presença daquela mulher perigosa para reacendê-la no coração do advogado.
Esses receios não se modificaram profundamente com o nascimento do Epaminondas, nem mesmo com o deslizar do tempo.
Havia já nove anos que viera ao mundo o homônimo do estadista de Tebas, quando um belo dia D. Sidônia soube, pelo próprio marido, que a Esmeralda voltara da Europa, e mais bela, mais atraente que nunca. Era a verdade, a verdade implacável, que ele não podia esconder.
A esposa sobressaltou-se, coitada, — mas o marido tranquilizou-a com estas palavras:
— Não é justo que me tenhas na conta de um homem desprezível. Não sinto por essa mulher senão asco.
— Não, não és, bem sei, um homem desprezível; és, pelo contrário, o modelo dos homens de bem; mas a natureza é fraca, e essa mulher um demônio capaz de transformar o teu caráter!
— Não creias.
— Olha, Lacerda, se eu souber que estiveste com ela... que lhe falaste... eu... nem sei que desatino farei!... Sou capaz de suicidar-me!...
— Cala-te! Não digas tolices!...
— Em todo caso, se te encontrares com esse diabo, se lhe falares, por amor de Deus não me digas nada! Ao menos por esta vez, só por esta vez, encobre-me a verdade!... Podes causar uma desgraça!... Vê como estou nervosa!...
— Isso passa.
Poucos dias depois, seriam três horas da tarde, estava o advogado no seu consultório da rua da Quitanda, em companhia do Epaminondas, que viera ter com o pai a fim de preveni-lo que D. Sidônia, viria buscá-lo para ir com ele ao dentista.
De repente abriu-se a porta do consultório, e a Esmeralda entrou como um raio.
— Ah! Lacerda, meu Lacerda, enfim te encontro!...
E, sem fazer caso do menino, a turbulenta cocotte abraçou com veemência e beijou repetidas vezes o seu ex-amante, que em vão forcejava por se ver livre daquela intempestiva e escandalosa expansão.
— Deixe-me, senhora! Que é isto? Olhe o pequeno! É meu filho!
Mas qual! A Esmeralda, chorando e rindo ao mesmo tempo, continuava a abraçá-lo e beijá-lo cada vez com mais efusão, e o Epaminondas, atônito, pasmado, arregalava os olhos, sem se atrever a erguer-se da cadeira em que estava sentado.
Nisto, o Dr. Lacerda ouviu um frufru de saias na escada, e reconheceu os passos de sua mulher, que subia.
O pobre diabo soltou um grito de terror e, com um gesto enérgico e brutal, afastou de si a inconsequente Esmeralda.
— É minha mulher! Esconda-se!...
A cocotte compreendeu tudo, e, sem dizer palavra, meteu-se numa alcova cuja porta o advogado fechou.
Todos esses movimentos se realizaram num abrir e fechar d'olhos.
D. Sidônia entrou no consultório, e, vendo o marido com o colarinho um pouco amarrotado e o laço da gravata desfeito, e o Epaminondas muito espantado, passou a vista de um para outro, e perguntou:
— Que foi?... Que se passou?... Com quem falavas tu?... Quem estava aqui?...
— Ninguém... nada... bem vês, — balbuciou o Dr. Lacerda.
Houve uma pausa.
O consultório estava impregnado do perfume da Esmeralda, um perfume indiscreto e capitoso que a anunciava de longe; felizmente, porém, D. Sidônia achava-se naquele dia atacada por um defluxo providencial, que lhe tirava completamente o olfato.
Ela voltou-se para o filho:
— Epaminondas, teu pai ensinou-te a não mentir em nenhuma circunstância da vida: dize-me a verdade: quem estava aqui?
— Uma senhora?
— Que senhora?
— Não a conheço.
— Que fez ela?
— Entrou como uma doida, e deu muitos beijos e muitos abraços em papai!
D. Sidônia fulminou com um olhar terrível o Dr. Lacerda, que, para disfarçar, atava de novo a gravata.
— Que senhora é essa? — interrogou ela com os lábios trêmulos.
O Epaminondas respondeu pelo pai:
— Uma senhora muito bonita, muito bem vestida, com um chapéu muito grande!
— Onde está essa mulher?
— Papai disse-lhe que se escondesse, e ela escondeu-se...
— Onde?
— Naquele quarto.
D. Sidônia empurrou com o pé a porta da alcova, mas não encontrou ninguém lá dentro: a Esmeralda, praça velha que não se apertava nas ocasiões difíceis, abrira outra porta, comunicando com o corredor, e conseguira descer rapidamente a escada e sair para a rua sem fazer o menor ruído.
Vendo a situação bem encaminhada, o Dr. Lacerda recobrou o sangue-frio, e, enquanto D. Sidônia revistava a alcova, disse baixinho ao filho:
— Epaminondas, é preciso mentir; senão, tua mãe mata-se!
E quando D. Sidônia voltou da alcova, recebeu-a com uma gargalhada:
— Ah! Ah! Ah! Ah!...
— Que quer isso dizer? — perguntou ela.
— Quer dizer que caíste como um patinho!
— Hem?
— Isto foi uma comédia arranjada por mim, com o auxílio do Epaminondas. Fui eu que lhe ensinei aquela história de moça bonita, de chapéu grande!
— Mas... para quê?
— Como disseste que te suicidaria se eu falasse à Esmeralda, queria ver o que farias! Mas tenho pena de te ver aflita, e não espero pelo resultado da pilhéria...
— Isso é verdade, Epaminondas?
— É mamãe, — respondeu o pequeno com um tom de convicção de quem jamais fizera outra coisa, senão mentir.
— E este colarinho amarrotado?... E esta gravata?
— Foi de propósito, minha tola, para dar um quê de verossimilhança à coisa.
— Achas então que sou tola? — disse D. Sidônia sorrindo e sentando-se tranquilamente. — Tolo és tu!
— Por quê?
— Não te lembras de que não me poderia entrar na cabeça que estivesse aos beijos com essa mulher em presença do Epaminondas!
— É verdade! Que queres? Para mim, bem sabes, não há nada mais difícil do que inventar uma peta. Vamos ao dentista!
Dali por diante, o Epaminondas começou a mentir por quantas juntas tinha.

terça-feira, 7 de maio de 2019

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Movidos pelo ódio


Movidos pelo ódio

"Haverá pior coisa do que mesclar o ódio às opiniões?"
 Machado de Assis - "Elogio da Vaidade"


O ódio destilado em bytes nas redes sociais aos poucos vai ganhando as ruas, as praças, os botecos, as casas, o ambiente de trabalho, enfim, já não fica escondido entre quatro paredes atrás de teclas e teclados, sob os mais variados disfarces. Agora ele dá bofetadas, chutes, facadas e até aprendeu a atirar... A estupidez é generalizada e os bípedes virtuais quadriplicam-se no mundo real a cada disputa política. 

São tipos ideologicamente apaixonados, cheios de certezas, convictos de suas crenças e incapazes de qualquer diálogo.  Acreditam que os grandes problemas do Brasil apenas serão resolvidos pelo candidato de seu partido, e veem o adversário como um perigoso inimigo que precisa ser combatido sem piedade. Argumento algum, por mais lógico e racional que seja, é capaz de fazê-lo mudar de opinião. No fundo, agem como aquele religioso que sobe a ladeira de joelhos sem reparar a rusticidade do solo. O bom senso para tais pessoas fica restrito aos momentos em que se distanciam dos temas políticos e passam a discorrer sobre as coisas fúteis da vida. É só aí que viram de gente! Quando imbuídos de suas convicções políticas transformam-se em bestas selvagens, chegando ao ponto de comemorar a doença ou morte dos que odeiam.  O ódio, aliás, é o motor que faz mover suas existências intranquilas, é a força que impulsiona suas vidas medíocres e vazias. Mostrem-lhe uma cabeça e providenciarão uma guilhotina. Ódio e a opinião são tudo de que precisam para mudar o mundo.  Sim, eles podem mudar o mundo.  Se lhes disserem que são Napoleões, por favor acreditem.  O Brasil é o Waterloo!

É isso!

sábado, 29 de julho de 2017

A nova sede da Jucesp na Lapa

Agora a Jucesp será na Lapa

Conforme Decreto nº 62.730, de 28 de julho de 2017, publicado no Diário Oficial de 29/07/2017, o Governador de São Paulo autorizou a Fazenda do Estado a permitir o uso por prazo indeterminado, em favor da Junta Comercial do Estado de São Paulo, do imóvel localizado no bairro da Lapa (Zona Oeste), à Rua Guaicurus, nº 1.274/1.374.

O local especificado, no qual será estabelecida a nova sede da JUCESP, ocupava anteriormente o centro de difusão científica da USP, denominado "Estação Ciência", que fechou suas atividades ao público no ano de 2013. Trata-se de um edifício histórico da cidade, tombado em 2009 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo. Portanto, a instalação da nova sede da Junta Comercial está condicionada às regras referentes ao tombamento do prédio, levando em conta a preservação de suas características arquitetônicas externas e internas, tais como: fachadas, volumetria, cobertura, estruturas internas de madeira e dos telhados, pisos etc. 
Uma vista do antigo prédio que sediará a Jucesp

O belíssimo prédio da Rua Guaicurus ocupava nos seus primórdios uma antiga fábrica de tecelagem, estabelecida no bairro no início do século 20. No ano de 1936, os galpões que compunham a construção sofreram um enorme dano em consequência de um grande incêndio. Reconstruídos, em seguida, serviram  como entreposto de sementes da Secretaria da Agricultura do Estado, sendo seu uso compartilhado concomitantemente por outros órgãos do Estado até a década de 70.

"
Ao longo dos anos, o edifício sofreu adaptações, como o acréscimo de um andar onde havia anteriormente uma altura de seis metros entre o piso e a cobertura. Em 1985, durante as discussões sobre o Terminal Rodoviário da Lapa, comerciantes e líderes comunitários da Lapa pleiteavam a conservação dos galpões da Rua Guaicurus, vizinhos à Estação Ferroviária da Lapa (FEPASA). Arquitetos, artistas e engenheiros criaram a Comissão de Preservação e Utilização dos Galpões. Alegavam o valor histórico dos galpões, nos quais a fábrica têxtil forneceu oportunidades de trabalho à colônia italiana instalada na região e aos trabalhadores em geral. No final deste mesmo ano, o CONDEPHAAT iniciou estudos para tombamento destes galpões de arquitetura industrial típica do início do século XX, vetando demolição ou qualquer alteração na estrutura do prédio. Em 19 de dezembro de 1986, através do Decreto n. 26.492, o Governo do Estado cedeu o uso de parte do imóvel ao CNPq, para a instalação do Centro de Ciência para a Juventude. Destinou 6 módulos, com área total de 1915 m². Em 24 de junho de 1987 foi inaugurada a Estação Ciência." 

Especificamente em relação ao bairro da Lapa, trata-se de um local de enorme concentração mercantil, com destaque para a famosa Rua Doze de Outubro, que abriga um grande número de estabelecimentos comerciais, especialmente o comércio de roupas, entre muitos outros, dentre os quais podemos citar: Lojas Americanas, McDonald's, Besni, Pontual, Alegria, Gabriella, Casas Bahia, Lojas Marabraz, Marisa, Armarinhos Fernandes, Eskala, Lojão do Brás. O bairro possui ainda um Shopping Center com cinema e uma pequena praça de alimentação. 

No que se refere ao transporte, o bairro da Lapa é privilegiado. Com duas estações de trem e um Terminal de ônibus, é possível locomover-se com facilidade para qualquer região da capital e outras cidades circunvizinhas. 

A alguns metros da nova instalação da JUCESP, tem-se a Estação de trem da chamada "Linha 8–Diamante", a qual movimenta passageiros da cidade de Itapevi até a Estação da Júlio Prestes (na Luz). Sãs as seguintes as estações atendidas: Júlio Prestes (Centro de São Paulo), Palmeiras-Barra Funda (próxima ao Memorial da América Latina), Lapa (JUCESP), Domingos de Moraes (próxima ao Viaduto Anhanguera), Imperatriz Leopoldina (Alto da Lapa), Presidente Altino (que faz parte da cidade de Osasco, da qual se pode fazer integração gratuita com a "Linha 9–Esmeralda"), Osasco (com integração gratuita com a Linha 9-Esmeralda e acesso ao Terminal Rodoviário de Osasco), Comandante Sampaio (Osasco), Quitaúna (Osasco), General Miguel Costa (antiga Estação KM 21 - Osasco), Carapicuíba, Santa Terezinha (Carapicuíba), Antônio João (Barueri), Barueri, Jardim Belval (Barueri), Jardim Silveira (Barueri), Jandira, Sagrado Coração (Jandira), Engenheiro Cardoso  (Itapevi) e Itapevi. 

A aproximadamente 10 minutos (andando) da nova sede da JUCESP, tem-se ainda a Estação denominada "Linha 7-Rubi", que movimenta passageiros da cidade de Francisco Morato até a Estação da Luz, no centro de São Paulo. Os trens desta linha atendem as seguintes estações:  Luz (integrando o metrô), Palmeiras - Barra Funda, Água Branca, Lapa (novo endereço da JUCESP), Piqueri, Pirituba (com acesso próximo ao Terminal de ônibus), Vila Clarice, Jaraguá, Vila Aurora, Perus, Caieiras (cidade da grande São Paulo), Franco da Rocha (cidade), Baltazar Fidélis (Franco da Rocha), Francisco Morato (com integração para Botujuru, Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista e Jundiaí).

No Terminal de ônibus, localizado bem do lado do novo prédio da Jucesp, há as seguintes linhas: Linha: 119L-1 - Terminal Lapa-Vila Sulina; Linha: 7725-10 - Terminal Lapa-Rio Pequeno; Linha: 8000-10 - Terminal lapa- Pça. Ramos de Azevedo; Linha: 8001-10 - Terminal Lapa-Vila Piauí;   Linha: 8002-10 Terminal Lapa-Terminal Pirituba; Linha: 8003-10 - Terminal Lapa-Vila dos Remédios, Linha: 8004-10 - Terminal Lapa- Jardim Santa Mônica; Linha: 8040-10 - Terminal Lapa-Sol Nascente; Linha: 8060-10 - Terminal Lapa-Vila Piauí; Linha: 8100-10 - Terminal Lapa-Terminal Pirituba (Via Ponte Anhanguera e Tietê Plaza-Shopping); Linha: 8200-10 - Terminal Lapa-Terminal Pirituba (via Ponte do Piqueri - Avenida Paula Ferreira - Shopping Pirituba); Linha: 8300-10 - Terminal Lapa-Terminal Pirituba (Via Ponte do Piqueri - Avenida Edgar Facó); Linha: 8542-21 - Terminal Lapa-Brasilândia (via Ponte da Freguesia do Ó - Avenida Inajar de Souza); Linha: 8548-10 - Terminal Lapa-Jd. dos Cunhas (via Ponte da Freguesia do Ó - Avenida João Paulo I); Linha: 8686-21 - Terminal Lapa (Via Avenida Mutinga); Linha: 875C-10 - Metrô Santa Cruz - Terminal Lapa (Via Pinheiros, Itaim, Iamsp); Linha: 875H-10 - Metrô Vila Mariana - Terminal Lapa (via Pompeia - Avenida Dr. Arnaldo - Avenida Paulista); Linha: 9012-10  - Itaberaba (via Freguesia do Ó); Linha: 9014-10 - Terminal Lapa-Morro Grande (via Ponte da Freguesia do Ó); Linha: 9014-42 - Terminal Lapa (via Nossa Senhora do Ó); Linha: 9050-10 - Itaim Bibi (via Vila Madalena - Pinheiros); Linha: 938C-21 - Terminal Lapa-Cohab Taipas (via via Ponte da Freguesia do Ó - Avenida Deputado Cantídio Sampaio - Parada de Taipas); Linha: 948A-10 - Metrô Barra Funda - Vila Zatt (Via Rua Clélia, Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, Tietê Plaza-Shopping, Terminal Pirituba); Linha: N101-11 - Terminal Parque D. Pedro II - Terminal Lapa (Parque Antártica - Avenida Matarazzo - Espaço Cata-Vento); Linha: N102-11 - Terminal Parque. D. Pedro II - Terminal Lapa (via Avenida Matarazzo - Centro); Linha: N103-11 - Terminal Lapa-Terminal Pirituba (via Vila do Anastácio); Linha: N104-11 - Terminal Lapa-Terminal Pirituba (via Avenida Edgar facó); Linha: N105-11 - Terminal Lapa-Terminal Cachoeirinha (via via Ponte da Freguesia do Ó); Linha: N131-11 - Vila Piauí (via Vila Jaguara); Linha: N136-11 - Morro Doce (Via Rodovia Anhanguera); Linha: N831-11 - Parque da Lapa (Via Alto da Lapa - CEAGESP);   Linha: N832-11 - Parque Continental (via Vila Leopoldina - Jaguaré - Shopping Continental, na divisa com a cidade de Osasco). Nos arredores há ainda inúmeras outras linhas, incluindo para os bairros da Penha, Parque Continental, Campo Limpo, Butantã, Santana etc., e para cidades como: Osasco, Cajamar, Barueri, Carapicuíba, Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato etc. 

No que diz respeito à segurança, o bairro tem os mesmos problemas de qualquer outro bairro de São Paulo, especialmente aqueles com um grande afluxo de pessoas. Pessoalmente frequento a Lapa desde o ano de 1989 e nunca fui assaltado. Sim, a cautela faz-se necessário, mas isso não é uma exclusividade deste bairro! A Lapa tem um distrito policial localizado Rua Camilo, 317. Observa-se com frequência a presença de policiais nos locais de grande movimentação. 

Ah! Fala-se muito em enchentes na Lapa... Deveras, é comum, nos dias de grandes trovoadas (atente-se para "GRANDES"), o alagamento de algumas ruas próximas ao Shopping e Viaduto (rua Trajano, Nossa Senhora da Lapa, Rua Roma), porém, desconheço uma enchente que levou água para dentro do novo prédio da JUCESP. 

Ao pessoal preocupado com os seus veículos, o bairro possui inúmeros estacionamentos particulares com preços variados para mensalistas. É possível ainda estacionar em algumas ruas próximas, porém, não é algo que se aconselha.

Pode-se concluir, portanto, que a mudança da JUCESP para o bairro da Lapa não trará grandes consequências para funcionários e usuários, haja vista a extensa rede de transporte que  norteia todo o bairro (um Terminal de ônibus e duas estações de trem), com a vantagem de ser um local cercado por todo tipo de empreendimento comercial (incluindo faculdades e escolas, por exemplo: SENAC e Campos Sales), um AMA (localizado dentro do antigo Hospital Sorocabana), uma Biblioteca Pública (Rua Catão),  o Shopping já citado, o mercado público (localizado bem próximo ao prédio da JUCESP), hotéis, igrejas (dentre as quais a belíssima matriz Nossa Senhora da lapa), clínicas médicas, um hospital especializado em geriatria,  laboratórios médicos como o Lavoisier e o Delboni Auriemo etc., uma delegacia de polícia, muitos restaurantes, barzinhos, escolas, creches, bancos (todos) etc. etc. etc.

É isso!

Jaime Nunes Mendes
São Paulo, 29/07/2017.


Decreto que estabelece a nova sede da Jucesp

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