segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Os dois pequenos e a bruxa (Conto popular português), de Consiglieri Pedroso

 

Os dois pequenos e a bruxa

Era uma vez uma mulher que tinha um filho e uma filha. Um dia a mãe mandou o filho buscar cinco réis de tremoços e depois disse para os dois:

— Meus dois filhinhos, até onde acharem as casquinhas de tremoços, vão andando pelo caminho afora, e em chegando ao mato lá me hão de encontrar apanhando lenha.

Os pequenos assim fizeram.

Depois da mãe sair, foram andando pelas castanhas de tremoços que ela ia deitando para o chão, mas não a encontraram.

Como já era noite, viram ao longe uma luz acesa. Foram caminhando para lá e viram uma velha a frigir bolos.

A velha era cega de um olho, e o pequeno foi pela banda do olho cego e furtou- lhe um bolo, porque estava com muita fome.

Ela, julgando que era o gato, disse:

— Sape, gato! Bula que não bula, que te importa a ti?

O pequeno disse para a irmã:

— Agora vai lá tu!

A pequena respondeu:

— Não vou lá que eu pego-me a rir!

O pequeno disse que ela havia de ir, e a irmã não teve mais remédio, e foi. Foi pelo lado do olho cego e tirou outro bolo.

A velha, que julgava outra vez que era o gato, disse:

— Sape, gato! Bula que não bula, que te importa a ti?

A pequena largou-se a rir.

A velha voltou-se, viu os dois pequenos e disse para eles:

— Ai, sois vós, meus netinhos! Comei, comei para engordar.

Depois agarrou neles e meteu-os num caixão cheio de castanhas.

No outro dia chegou ao caixão e disse para eles:

— Deitai os vossos dedinhos, meus netinhos, que é para ver se estais gordinhos.

Os pequenos deitaram o rabo de um gato, que acharam dentro do caixão.

A velha disse então:

— Saí, meus netinhos, que já estão gordinhos.

Tirou-os para fora do caixão e disse-lhes para irem à linha com lenha.

Os pequenos foram para o mato por uma banda, e a velha foi por outra. Quando chegaram a um certo lugar, encontraram uma fada.

A fada disse-lhes:

— Andais à lenha, meninos, para aquecer o forno, mas a velha quer assar-vos nele!

Depois contou que a velha havia de dizer para eles: “Sentai-vos, meus netinhos, nesta pazinha, para vos ver balhar dentro do forno! E que eles lhe haviam de dizer que se sentasse ela primeiro, para eles verem como era.”

A fada foi-se embora.

Daí a pouco encontraram-se os pequenos com a velha do mato.

Apanharam a lenha toda que tinham cortado e foram para casa acender o forno.

Depois de acenderem o forno, a velha varreu-o muito bem varrido e depois disse para eles:

— Sentai-vos, meus netinhos, nesta pazinha, para vos ver balhar dentro do forno!

Os pequenos responderam como a fada os tinha ensinado:

— Sentai-vos aqui primeiro, avozinha, nesta pazinha, para nós vos vermos balhar dentro do forno!

A velha, como queria assá-los, sentou-se na pá, e eles mal a viram sentada, empurraram a pá para dentro do forno.

A bruxa deu um grande estouro e morreu queimada, e os pequenos ficaram senhores da casa e de tudo quanto ela tinha.

A morte que fez um homem rico (Conto), de Consiglieri Pedroso


A morte que fez um homem rico

Um homem tinha muitos filhos, e já todos os homens da freguesia eram seus compadres.

A mulher alcançou outra vez e pronta estava para parir. O homem, que não queria pedir a mais ninguém, abalou de casa.

Encontrou no caminho um homem muito desfigurado, que lhe perguntou aonde ele ia.

Ele contou-lhe, e o homem disse-lhe que voltasse para trás, que ele era o seu padrinho.

Assim foi.

Quando acabou o batizado, o homem disse:

— Compadre, repare bem para mim, para me conhecer onde quer que me encontrar. Eu sou a Morte. Tu muda de casa e faz-te médico, que hás de ganhar muito dinheiro. Em tu me vendo aos pés da cama de qualquer doente, é porque ele escapa. Em tu me vendo à cabeceira, é porque ele morre.

O homem assim fez; começou a ter muita fama e ganhava muito dinheiro e já estava muito rico mais os filhos.

Num dia a Morte chegou-se ao pé dele e disse-lhe:

— Bem, agora já te fiz rico, mas hoje chegou a tua vez e venho matar-te.

O homem pediu muito que o deixasse viver mais um ano.

A Morte consentiu.

O homem então mandou fazer uma torre de bronze, com as paredes muito grossas, para a Morte lá não entrar.

Quando o ano estava quase a acabar, ele mandou fazer um anel de ouro, meteu-o no dedo e fechou-se na torre.

Estava lá a jantar, e apareceu-lhe a Morte ao pé dele.

Ele, muito assustado, perguntou-lhe:

— Ó comadre Morte, tu por onde é que entraste?

A Morte disse que pelo buraco da fechadura.

Ele então disse-lhe:

— Já que tu te meteste pelo buraco da fechadura, hás de meter-se pelo buraco desta cabaça.

A Morte meteu-se e ele tapou a cabaça com uma rolha e disse à Morte:

— Agora sai daí para fora se és capaz.

A Morte disse-lhe:

— Ó compadre, pois eu fiz-te tanto benefício, e tu agora queres-me aqui deixar dentro desta cabaça? Tira-me a rolha, que eu não te faço mal.

O homem tomou a perguntar-lhe se ela não lhe fazia mal.

A Morte disse que não.

Ele destapou a cabaça e, ao tempo que destapou, caiu, mas não morto, e a Morte roubou-lhe o anel.

Ele disse:

— Ó comadre, então tu prometeste-me que não me matavas, e agora queres-me matar. Deixa-me ao menos rezar um Padre-Nosso e uma Ave-Maria pela minha alma.

A Morte consentiu.

Ele que fez?

Começou a rezar o Padre-Nosso até ao meio e depois tornava a começar.

De modo que a Morte não o podia matar.

O homem então saiu da torre e começou outra vez na sua vida.

Um dia andava ele à caça e a Morte fingiu-se de morta no meio do monte.

O homem chegou e, julgando que era um homem morto, disse:

— Ah! Pobre homem, quem te matou? Deixa-me ao menos rezar um Padre-Nosso e uma Ave Maria pela tua alma.

Rezou, mas ao tempo que acabou, a Morte levantou-se e matou-o.